



"Até mesmo um mau disparo tem sua dignidade quando se aceita um duelo." G.K. Chesterton
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Paris, 15 de Agosto de 1940
"Voltando para casa ontem, acompanhei do metrô um espetáculo deplorável. Foi próximo à estação La Motte-Picquet, no trecho em que a linha é de superfície. No meio da avenida La Motte-Picquet, notei uma coluna de soldados franceses cercada de soldados alemães. Estes franceses eram prisioneiros conduzidos de um campo a outro. Um senhor, sentado na minha frente, também observava a cena. Fazia anos que eu não chorava, mas senti as lágrimas me descerem pelo rosto. O desconhecido à minha frente também chorava e me disse baixinho: 'Veja isto, minha senhora, prisioneiros franceses na nossa cidade, em Paris... tocados como animais...'
Hoje, porém, o metrô me oferece uma cena reconfortante. Um soldadinho francês bem modesto, mas limpo. Não parecia um militar; sem dúvida pertencia ao serviço de saúde. Perto dele, um soldado alemão alto, gordo, rosado, o corpanzil comprimido num uniforme impecável. Está fumando. Todos fumam no metrô, embora seja proibido – um monte de avisos em alemão deixam isso claro. Passado um momento, ele olha para o francês com um sorrisinho condescendente e um ar paternalista. De repente, num gesto rápido, estende ao rapaz o maço de cigarros. Sem dúvida, o francesinho deve estar louco de vontade de fumar... Vê-se em seus olhos, nos quais sequer um cílio se mexe. O rapaz recusa simples, cara e categoricamente, com um 'não, obrigado' glacial. Jamais saverá quanto prazer me deu este soldadinho desconhecido, derrotado, vendido, mas orgulhoso e digno mesmo assim!"

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Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás pra mim o único no mundo. E eu serei para ti a única no mundo... Mas a raposa voltou a sua idéia:
- Minha vida é monótona. E por isso eu me aborreço um pouco. Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei o barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros me fazem entrar debaixo da terra. O teu me chamará para fora como música.E depois, olha! Vês, lá longe, o campo de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelo cor de ouro. E então serás maravilhoso quando me tiverdes cativado. O trigo que é dourado fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento do trigo...
A raposa então calou-se e considerou muito tempo o príncipe:
- Por favor, cativa-me! disse ela.
- Bem quisera, disse o principe, mas eu não tenho tempo. Tenho amigos a descobrir e mundos a conhecer.
- A gente só conhece bem as coisas que cativou, disse a raposa. Os homens não tem tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se tu queres uma amiga, cativa-me! Os homens esqueceram a verdade, disse a raposa.
Mas tu não a deves esquecer. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas"
O Pequeno Príncipe, Antoine de Saint-Exupéry
